QI GONG – DA IMPORTÂNCIA DO AUTO CONHECIMENTO PARA A SAÚDE
Comecei a praticar Taiji e Qi Gong com Pe. Mira. Em pouco menos de dois anos, ele me convidou para ir a Brasília conhecer seu Mestre, nosso querido Mestre Woo. Neste mesmo ano, 1988, Pe. Mira foi morar no Japão. Ele me deixou à frente de seu grupo de Tai Chi, o que me causou muita insegurança inicial.
Neste período em meio a titubeios, eu buscava aqui e acolá soluções para problemas, de saúde, de questões emocionais, etc. Recordo então a frase com que Pe Mira me alertou bruscamente sobre minhas buscas:
“Você me parece um mendigo, sentado num saco de ouro pedindo esmolas.”
Fiquei chocada. Calou fundo em meu coração. Eu estava sentada num saco de ouro? Que ouro era este?
Não sabia de mim, e não percebia que seus ensinamentos fariam reconhecer os recursos preciosos para a saúde que estão disponíveis em nossos próprios corpos e mentes.
Feldenkrais em seu Vida e Movimento, afirma:
“Nós agimos de acordo com nossa autoimagem. Esta, que, por sua vez, governa todos os nossos atos- é condicionada em graus diferentes por três fatores: hereditariedade, educação e autoeducação.”
(Vida e Movimento,1984)
E nós vivemos de acordo com nossas crenças. Que podem ser as crenças de nossos pais, ou serem resultantes de condicionamentos culturais. Ocorre, que à certa época da vida, muitos destes ensinamentos e crenças já não dão conta de nossas necessidades mais profundas. Nós somos seres em constante mutação. Muitas vezes só percebemos a incongruência entre o que necessitamos e o que estamos fazendo através de alguma dificuldade, alguma doença, algum problema que desafia nossa forma de viver. E, procurando compreender o que acontece, a causa das dificuldades limitantes que bloqueiam nossa vida, nos damos conta que não estávamos no caminho que considerávamos ideal, perfeito, mas talvez em atalhos, ou sendo como que empurrados, ou ainda, como se estivéssemos dormindo, ou mesmo inconscientes. Sim, às vezes, passamos muito tempo de nossa vida inconscientes.
E é necessário despertar. Por isso, para o Budismo a Iluminação nada mais é do que um Despertar.
Se condicionamentos recebidos não dão conta de nos manter saudáveis física e emocionalmente, de estarmos felizes com nossas escolhas ou crenças, é necessário mudança de rota. Não mais acreditar que apenas a hereditariedade nos define, mas buscar autoeducação.
Autoeducação resulta em autoconhecimento. Tarefa difícil. Questão para o sábio como diz Lao Tzu:
Pois,
“Quem conhece os outros é inteligente.
Quem conhece a si mesmo é iluminado.
Quem vence os outros tem força;
Quem vence a si mesmo é poderoso.
Quem sabe se sentir satisfeito é rico.
Quem se esforça é determinado.
Quem não perde seu lugar dura muito tempo.
Quem morre, mas não desaparece, é longevo.
(Lao Tzu- Tao The King- Canto XXXIII)
As práticas de Taiji e Qi Gong proporcionam autoconhecimento pela autoeducação. Práticas e estudos que abrangem a unidade de corpo, mente e espírito.
Com Qi Gong percebemos este processo interna e externamente. No início se aprende a elevar o Qi -a Energia Vital. Os exercícios têm a função de nos reconectar com nossa energia pré-natal, minimizando as influências externas, mantendo o Qi em equilíbrio. Aprende-se a fazer circular internamente esta energia pelos meridianos. E depois emitir externamente esta energia.
Para que este trabalho ocorra é necessário que pratiquemos com afinco corpo, mente e espírito. O corpo aprende posturas, movimentos e respiração. Mas nada poderá ser efetivo sem a consciência do que se está fazendo. Aqui entra um princípio importante do Qi Gong que é a Intenção. Estar inteiramente presente em cada movimento. Com o tempo o corpo assimila, a mente reconhece. Há necessidade de certa acomodação na aprendizagem. Assimilar e incorporar, ou seja, colocar dentro do corpo. Por isso a repetição é lenta e contínua. O corpo aprende a conhecer suas reais necessidades e a perceber as emoções, os sentimentos. Desta forma, o que acontece é que aprendemos a nos conhecer melhor. Quando nos conhecermos melhor, saberemos do que necessitamos.
“As pessoas que não possuem livre escolha não respeitam a si mesmas e sentem-se inferiores às outras pessoas e a si mesmas. Agora, para se ter livre escolha é preciso perceber uma diferença significativa. Para se perceber uma diferença significativa, não se pode aumentar o estímulo, mas pode-se aumentar a sensibilidade. E desde que a sensibilidade aumenta somente quando o estímulo é diminuído, é necessário, então reduzir o esforço. Assim sendo, qualquer coisa que se aprende com dificuldade, com dor e esforço, torna-se inútil: vocês nunca aproveitarão esta aprendizagem na vida.”
(Feldenkrais- Consciência pelo Movimento)
“Então, o importante na aprendizagem não é o que você faz, mas como você faz.”
(Feldenkrais-Vida e Movimento)
Podemos perceber a importância destas práticas pela sua sutileza. Sua leveza e suavidade vão fazendo modificações profundas. Seja na parte mais externa, tendões, ligamentos, seja em aspectos fisiológicos: massageando e fortalecendo os órgãos internos, seja na capacidade de se recuperar mais rapidamente de enfermidades, de aumentar a energia, de melhorar a vitalidade e se tornar uma pessoa mais feliz. Tudo com simplicidade e alegria.
Mestre Sun em Chikung- A Iluminação do Coração, afirma que com a prática começamos a ser senhores de nossa vida, adquirimos um certo controle, de maneira que já não nos assustamos com os acontecimentos, desenvolvemos mecanismos de atuação, de forma a sermos saudáveis, serenos e firmes.
Segundo Mestre Sun, entre os objetivos do Qi Gong está “em conseguir um corpo saudável, um coração puro e misericordioso, um caráter sereno, uma atitude de não rivalidade, e um espírito alegre”. De várias formas vamos percebendo que a prática corporal é aliada ao desenvolvimento mental e elevação espiritual.
Os pensamentos são capazes de proporcionar modificações em nosso corpo. Com algum tempo de prática nossa mente percebe um Vazio, sem o tumulto dos pensamentos iniciais. Este vazio de forma sutil vai se expressando no físico. Para isso temos a imprescindível prática da respiração correta. A Respiração é uma forma de nos tornar presentes na ação, afastando emoções destrutivas.
Entender a importância da prática significa praticar. Não adianta ler a respeito apenas, ou frequentar palestras. Sempre é, unir corpo e mente. Respirar, respirar, se movimentar, aprender com cuidado as posturas e movimentos, respirar, deixar ir, deixar fluir. Isso é o Tao. Este é um Caminho que nos leva, e nos enleva… Aprendemos a nos conhecer porque damos espaço para respirar e sentir, e não racionalizar. Vamos nos surpreender quão bem iremos nos sentir. Tendo este espaço que é nosso, nos sentiremos importantes entre o Céu e a Terra. Ou seja, em nosso lugar essencial. Então não haverá lugar para nos considerarmos pequenos, ou menores. Pertencemos à Terra e como parte dela, ela também nos pertence. Não haverá lugar para baixa autoestima e emoções negativas. Somos todos iguais e vamos todos para o mesmo lugar.
Muito embora tenha falado de uma prática de simplicidade incrível, não se trata de prática feita de qualquer modo. Qi Gong e Taiji, são artes simples e complexas ao mesmo tempo. Exigem estudo em cada movimento porque se estará estudando o próprio corpo com suas sensações, e a mente com suas emoções. Revelam o que se sabe de si e o quão longe se poderá ir.
Pode-se dizer que nosso objetivo especial é despertar o laboratório que temos internamente. Para aprendermos a cuidar de nós mesmos em primeiro lugar, e depois dos outros. Não por sermos prioridade com relação aos demais, mas para estarmos nutridos e sabermos como oferecer cuidados. Ativar a energia, aprender a movimentá-la onde for necessário dentro de nós, e por fim aplicá-la a quem necessitar, são princípios do estilo Yangsheng Qi Gong de Mestre Sun, que pergunta:
“- Por que será que os pacientes, sendo que a enfermidade está em seu próprio corpo, quando se trata de curar-se acreditam somente o que outra pessoa lhes diz?”
(Sun Jun Qing- A Iluminação do Coração).
Como resultado da alienação do ser humano de si mesmo, e como ser da natureza, acaba necessitando de profissionais de múltiplas especialidades para orientá-lo no autoconhecimento. Mas nós temos esta extraordinária riqueza da medicina chinesa ao nosso alcance. Um tesouro da humanidade! São tempos ricos da humanidade quando temos à disposição tantos mestres e professores proporcionando ensinamentos para que tenhamos nosso destino nas mãos aprendendo a nos cuidar mutuamente. Aprendendo a beleza do convívio respeitoso e amoroso. Está na hora de reconhecer, usufruir e divulgarmos esta riqueza.
Nunca foi tão necessária a prática do Qi Gong como durante esta pandemia. Foram muito importantes os exercícios para os pulmões. Limpar, fortalecer, nutrir os pulmões. Lembremos que os meridianos estão relacionados a emoções. Problemas nos pulmões podem desenvolver tristeza, aflições, pesar, desânimo, frustração, etc. E ao contrário, emoções positivas podem ser desenvolvidas com seu fortalecimento: justiça, desapego, coragem, honestidade, responsabilidade…
A persistência na prática conduz inevitavelmente a um Caminho de saúde em sua forma mais ampla. Vitalidade, e Alegria de Viver se tornam de fato, Reais!
Obrigada Mestre Woo, obrigada companheiros do Tao pelo convite honroso. Xie, xie!
Feliz Ano do Boi!
Teresa – verão de 2021.
Referências Bibliográficas:
FELDENKRAIS, Moshe: Consciência Pelo Movimento– São Paulo:Summus, 1977.
:Vida e Movimento– São Paulo: Summus, 1984.
JUN QING, Sun: CHIKUNG- A Iluminação do Coração- São Paulo: Madras, 1999.
WOO, Aristein: Tao te Ching de Lao Tzu- Curitiba- Appris, 2019.